Imagine que você é proprietário ou herdeiro de uma área de natureza preservada, com nascentes, rios e/ou remanescentes de um dos biomas brasileiros, e gostaria de garantir sua conservação por muitas e muitas gerações. Um dos mecanismos para assegurar sua proteção é transformá-la em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, um tipo de unidade de conservação de domínio privado, cujo objetivo de conservar a diversidade biológica fica gravado perpetuamente na matrícula do imóvel.
Essa foi a opção de nomes como o ator Marcos Palmeira, que transformou parte de sua fazenda Vale das Palmeiras, em Teresópolis, RJ, em RPPN; do cantor Ney Matogrosso, proprietário da RPPN Matogrosso, em Saquarema, RJ; e da escritora Raquel de Queiroz, criadora da RPPN Fazenda Não me Deixes, em Quixadá, CE. Também entram nesse rol de entusiastas das RPPNs o casal Lélia e Sebastião Salgado, fundadores da RPPN Fazenda Bulcão, sede do Instituto Terra, localizada em Aimorés, MG. Um detalhe importante: eles foram os primeiros a conseguir transformar uma área degradada em RPPN, graças ao intenso trabalho de reflorestamento da área, que hoje é um refúgio de Mata Atlântica.

Em Paranaguá, litoral do Paraná, a bióloga Anne Zugman é proprietária e gestora da RPPN Encontro das Águas, criada em 2021. “Quando herdei da família a área de 30 hectares, meu principal desejo era conservar a floresta de Mata Atlântica que há nela e que desejo deixar para as futuras gerações”, afirma. A reserva conta com 18 hectares destinados a pesquisas e ao turismo científico. O nome é uma referência ao fato de a área reunir três afluentes do rio Cambará, fundamental para o abastecimento hídrico da cidade de Matinhos, localizada na região. Zugman também é associada ao Mater Natura Instituto de Estudos Ambientais, organização não governamental sem fins lucrativos que oferece, entre outros serviços, apoio e consultoria para interessados na criação e implementação de RPPNs.
Quem pode criar uma RPPN
Pessoas físicas e jurídicas estão aptas a criar RPPNs, nas esferas federal, estadual ou municipal. Atualmente, o Brasil conta com cerca de 2 mil RPPNs, que juntas somam mais de um milhão de hectares. Não há um tamanho mínimo nem máximo para uma unidade de conservação dessa categoria. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável por essas reservas no âmbito federal, já autorizou a criação de RPPNs com menos de um hectare (mais comum em áreas urbanas) e com mais de 80 mil hectares. “O importante é o proprietário comprovar que sua área tem atributos de diversidade biológica que merecem esse reconhecimento”, explica André Zecchin, gerente da Reserva Natural Salto Morato, RPPN que fica em Guaraqueçaba, PR, e pertence à Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. A entidade também é proprietária da Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante, GO, e já ofereceu apoio financeiro (via editais) para outras 47 RPPNs.

Quais são os benefícios que os proprietários recebem?
Ao transformar uma área privada em RPPN, os proprietários mantêm o direito de propriedade preservado, ficam isentos do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) referente à área criada como RPPN, têm prioridade no acesso a linhas de crédito rurais e na análise dos projetos pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), do MMA, e podem realizar parcerias de cooperação com entidades privadas e públicas na proteção, gestão e manejo da unidade. “Além disso, alguns estados possuem mecanismos de repasse de parte do ICMS arrecadado para as RPPNs, é o chamado ICMS Ecológico”, complementa Zecchin.

Uma vez criada a RPPN não é possível alterar esse status, o que não significa que o imóvel fique “congelado” para os proprietários. Essas reservas naturais podem ser doadas, herdadas, vendidas, hipotecadas ou até desmembradas, desde que os novos proprietários assegurem o compromisso original de conservar sua biodiversidade. “Na verdade, não diria que há limitações de uso, mas direcionamentos e oportunidades de uso”, diz Zecchin, lembrando que nas RPPNs são permitidas atividades de pesquisas científicas e visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais, definidos no plano de manejo de cada unidade.
Por que as RPPNs são tão importantes, afinal?
De maneira geral, toda RPPN contribui para a ampliação das áreas protegidas no país e para a proteção da biodiversidade dos biomas brasileiros, fragmentados pela exploração imobiliária e atividades econômicas. Nesse contexto, as RPPNs colaboram para a criação de corredores ecológicos que permitem a conservação das espécies da fauna e da flora. “Além disso, muitas delas são estratégicas para a segurança hídrica nas cidades, pois protegem nascentes e rios que abastecem as áreas urbanas”, frisa André Zecchin. Ele lembra ainda que essas reservas cumprem uma função importante de desenvolvimento regional via turismo ecológico e pesquisas, gerando trabalho e renda para a região onde ela está localizada.