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Biblioteca comunitária na Amazônia equatoriana valoriza saberes ancestrais, materiais locais e convivência

Projeto participativo do estúdio Al Borde, sediado em Quito, foi premiado no Brasil e apresentado na Bienal de Arquitetura de Veneza 2025

Por Giuliana Capello
Atualizado em 5 ago 2025, 13h25 - Publicado em 5 ago 2025, 13h24

Ouvir a comunidade e projetar com ela foram premissas básicas ao longo de todo o projeto da Biblioteca Comunitária Yuyarina Pacha (que, em kichwa, significa “Tempo-Espaço para Pensar”), criada pelos arquitetos do estúdio Al Borde, de Quito, no Equador: David Barragán, Pascual Gangotena, Maríaluisa Borja e Esteban Benavides. O projeto nasceu da necessidade de um espaço para biblioteca e da ampliação de um clube de leitura para crianças, criado anos antes pelo Laboratório Criativo Sarawarmi e pela associação agrícola Witoca, para atender a população de Huaticocha.

Biblioteca comunitária na Amazônia equatoriana valoriza saberes ancestrais, materiais locais e convivência
Na fachada é possível observar a cumeeira da cobertura: uma claraboia em vidro que amplia a luz natural internamente e facilitou a montagem do telhado. (JAG Studio/CASACOR)

A comunidade, situada no entorno da Reserva da Biosfera de Sumaco, região da Amazônia equatoriana, sabia que o espaço seria muito mais do que um lugar para ler livros e brincar. Sobretudo, tratava-se de um local que fortaleceria a comunidade em seu próprio desenvolvimento, refletindo uma cultura que mantém uma relação amigável com o lugar em que vive. “Quando conhecemos a comunidade, através da arquiteta Ana María Durán, professora da Escola de Arquitetura de Yale e pesquisadora da Amazônia, nos engajamos em um processo participativo em todas as etapas do projeto, com total inclusão da comunidade”, conta o arquiteto David Barragán, do estúdio Al Borde.

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No primeiro andar, as famílias se reúnem para sessões de contação de histórias e encontros comunitários. (JAG Studio/CASACOR)

Foi assim que a chonta, espécie de palmeira amazônica conhecida por sua incrível durabilidade e resiliência, foi escolhida para compor a estrutura principal do projeto, dividido em três andares. “O material é usado nas casas vernaculares da região e, dessa forma, a arquitetura pôde resgatar o valor pragmático das práticas ancestrais locais, adaptando-as às necessidades contemporâneas”, comenta Barragán.

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(Estúdio Al Borde/CASACOR)

Segundo ele, a comunidade é quem melhor entende seus próprios recursos e como aproveitá-los. “Em última análise, o aspecto mais valioso do design participativo é justamente isso: estabelecer uma conexão onde todos possam contribuir com seu conhecimento e quebrar hierarquias tradicionais”, aposta o arquiteto.

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(JAG Studio/CASACOR)

Um programa feito a muitas mãos

No edifício de 186 m², o pavimento térreo é aberto e abriga oficinas de arte e ciência envolvendo o uso de água, materiais plásticos, alimentos e outros materiais, além de servir como espaço para eventos informais da associação e outros encontros espontâneos – algo que foi percebido pelos arquitetos como uma demanda local. No primeiro andar, em prateleiras abertas, ficam os acervos bibliográficos. O pavimento também é usado em assembleias e outras atividades da associação.

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O térreo da biblioteca é uma área aberta que abriga diversas atividades dos moradores. (JAG Studio/CASACOR)

Por último, no segundo andar estão os equipamentos de linguagens digitais, como tablets e computadores com coleções de áudio de histórias que buscam salvaguardar a memória oral da comunidade. O espaço ainda abriga o acervo de revistas, que pode ser apreciado em uma mesa de leitura conectada ao vão central no segundo andar.

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O telhado de palha, caracterizado por sua inclinação acentuada, responde ao clima chuvoso da região e surge com uma claraboia de vidro na cumeeira, que proporciona iluminação zenital e facilita a construção e a manutenção do projeto, uma vez que essa é a parte mais complexa de um telhado de palha, exigindo mais cuidado e manutenção.

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Antigo espaço usado para o clube de leitura da comunidade, antes da construção da biblioteca. (Sarawarmi/CASACOR)

Arquitetura para enfrentar a crise climática

Para os arquitetos do Al Borde, existem duas abordagens principais para a humanidade combater os desafios que vemos hoje no planeta: soluções altamente tecnológicas ou respostas locais. “Alinhamo-nos com a segunda perspectiva, convictos de que a construção de um futuro mais sustentável reside em soluções ligadas ao território e aos conhecimentos ancestrais, especialmente em nosso país, onde as soluções tecnológicas costumam ser muito caras”, afirma David Barragán. “Mas também porque essas soluções com raízes locais são sempre concebidas com bom senso, equilíbrio ecológico e inclusão respeitosa do ser humano”, ele completa.

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No Equador, a biblioteca Yuyarina Pacha fica imersa na floresta amazônica. (JAG Studio/CASACOR)

A biblioteca comunitária recebeu o Prêmio IBRAMEM de Arquitetura e Design em Madeira 2025. A construção integra o Hub Agroflorestal da Amazônia, um projeto maior de desenvolvimento local, inovação social e conservação ambiental, financiado pelo Instituto Re:Arc e apresentado este ano na Bienal de Arquitetura de Veneza.

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