Consultado para o levantamento anual sobre macrotendências que a CASACOR realiza todos os anos e convidado do EIXOS CASACOR, evento que revelou o tema “Semear Sonhos” para 2025, o arquiteto Marko Brajovic é especialista em biomimética e artes digitais. A seguir, em entrevista exclusiva, ele fala sobre sua pesquisa a respeito da Cidade-Floresta e analisa a importância do tema no contexto das mudanças climáticas.
CASACOR: Você apresentou uma imagem do Rio Pinheiros despoluído, cercado de vegetação e com gente nadando. É algo para ficar na imaginação ou um projeto viável?
Marko Brajovic: As coisas não acontecem se não puderem ser imaginadas. Já havia publicado uma ilustração semelhante no início da pandemia, acompanhada de um texto chamado “Como viveremos juntos com todas as outras espécies?”. Ele compila minha visão sociocultural-ecológica sobre aquele momento e continua válido. Havia feito na época um desenho e agora, com a Inteligência Artificial generativa, consegui expressar essas ideias em imagens mais elaboradas. Elas evocam visões utópicas dos anos 1950 e 1960, que me interessam como potencial realização de ideias. A mente humana ficou muito encolhida, sofremos da incapacidade de visualizar futuros possíveis. Quero estimular o resgate dessa capacidade. A única forma de essa visão de cidade acontecer é num desenho coletivo.
CC: Como conseguir esse trabalho coletivo em prol do futuro?
MB: Hoje, as relações mercantis determinam o que é possível ou impossível, e esse tipo de normativa deprime a visão de futuro. A biofilia nasce dentro de nós, é um movimento de busca de conexão, de sentir-se natureza, com a cidade como extensão do corpo social e pessoal. Vislumbrar esse futuro nos tira da depressão normativa. Inspirar e fazer as pessoas se apaixonarem por uma visão é o começo do caminho. Se a gente sonhar junto, o sonho vira realidade intersubjetiva, compartilhada. E a realização dependerá só de esforços e recursos.
CC: Qual o papel IA generativa na busca por expandir visões?
MB: A IA trabalha com o imaginário coletivo, ela vasculha uma base de imagens existentes. Olhando para o lado construtivo e positivo da IA, gostaria de imaginá-la capaz de ter um olhar holístico e sistêmico a respeito do nosso mundo, que nos ajudasse a pular para a era ecológica. Com aquela perspectiva do Rio Pinheiros, estou treinando a IA. Minha missão é ensiná-la sobre uma cidade multiespécies, projetada não só para os seres humanos, pois isso é inviável na transição climática. Aí começamos a ter cidades resilientes, pois trazemos organismos que limpam os rios, por exemplo. Quero inspirar a IA a aprender como aplicar a biomimética dentro da cidade.
CC: O que é a era ecológica?
MB: É quando o ser humano transita para uma percepção não-linear, compartilhada e interrelacionada de coexistência com outras espécies. Pessoas ecologicamente sensíveis entendem de forma profunda que somos parte de um coletivo em um planeta vivo. São conscientes das interconexões: qualquer ação tem uma relação não-linear com todo o resto. Uma hora isso vai acontecer em escala. Minhas ações como arquiteto e designer são sistêmicas e prescindem do termo sustentabilidade, que foi totalmente absorvido pela linearidade da lógica do consumo. Você calcula seu impacto e compra créditos de carbono. Na ecologia, você não pode quantificar as relações.
CC: Como criar cidades multiespécies?
MB: A gente não se considera natureza, mas está muito claro que não somos mais valiosos, inteligentes ou capazes que qualquer outro ser. Temos, sim, capacidade de antecipação, organização e planejamento coletivo muito articulados. Temos uma grande chance de valorizar a cooperação, que é a característica mais importante na natureza. Uma visão ecológica é cooperativa, solidária entre seres humanos e não humanos. Como colaborar para termos cidades resilientes? Você pode colaborar com uma árvore. Criar condições para ela prosperar é muito simples. E aí teremos sombra, um ar melhor, pássaros. Procuramos tecnologias de geoengenharia muito sofisticadas para limpar o ar quando a melhor que temos é a natureza. No meu ateliê, queremos pensar arquiteturas que tragam a natureza de volta e nos ajudem a nos reconhecer como natureza. Estamos estudando quais ambientes, materiais e texturas favorecem isso.
CC: Para o futuro das cidades, qual a importância de parques e praças, ou seja, áreas verdes que também funcionam como espaços coletivos e de encontro?
MB: Hoje os vejo como obsoletos. O parque confinado chegou ao limite de suas possibilidades. A cidade multiespécies é um grande parque, ela transcende a dialética do que é arquitetura construída e o que é árvore. A arquitetura poderia usar os mesmos princípios de captação de energia solar, de bombeamento de água por capilaridade, de superfícies autolimpantes, de abrigos para pássaros, imitando as árvores. Num processo biomimético, a arquitetura poderia eliminar a fronteira tão marcada entre o que é parque e o que é cidade. Essa é minha utopia. O parque é onde nascerá a cidade do futuro.
CC: Como seria essa cidade?
MB: O verde se espalha por ela, mas não só: a operação do parque se interconecta a outras estruturas urbanas. Isso já está acontecendo. Parques que eram puramente contemplativos hoje já têm lojas, marcas, ativações, eventos. Isso é muito bom. Acaba com a ideia de que é um local romântico, passivo, de natureza intocada. Estamos em um bom ponto para entender como os parques vão se estender por todo o espaço urbano.
CC: Como podemos tornar as cidades mais resilientes frente a acontecimentos climáticos?
MB: Com muita humildade, temos de nos reconhecer como parte de um planeta vivo. Vivemos uma transição climática dentro de uma visão deprimente de sociedade, presa num presente que não olha para o ancestral nem para o futuro. Sete gerações para a frente e para trás, como os indígenas nos ensinam. A teoria da resiliência considera quatro fatores: que a cidade disponha de sistemas de rede, ou seja, estruturas organizadas em diferentes escalas – isso é algo que aprendemos observando o funcionamento das florestas. Em segundo lugar, uma cidade resiliente trabalha com loops de feedback: enxerga seus processos cíclicos, aprende e se aprimora. Também é fundamental que seja multiespécies, pensada para outros seres que não só os humanos. Depois vem a percepção dos habitantes. É preciso amar a cidade como se ama o próprio corpo porque ela é o corpo coletivo. Aí saímos de uma visão mecânica para uma visão orgânica da cidade.