Continua após publicidade

Carlo Ratti fala sobre o futuro das cidades, IA e resiliência urbana

Curador da próxima Bienal de Veneza e diretor do Senseable City Lab no MIT, o arquiteto participou do mapeamento de macrotendências 2025 da CASACOR

Por Lúcia Gurovitz
Atualizado em 14 nov 2024, 17h09 - Publicado em 14 nov 2024, 17h08

O tema ‘Semear Sonhos’, que vai nortear todas as mostras da CASACOR em 2025, nasceu de uma ampla pesquisa de macrotendências que ouviu, entre outras fontes de peso, o arquiteto e engenheiro Carlo Ratti, curador da próxima Bienal de Arquitetura de Veneza (a ser realizada entre 10 de maio e 23 de novembro de 2025). Defensor da transdisciplinaridade e estudioso da biomimética, ele provoca: “Os melhores designs são aqueles que evoluíram ao longo de milhares de anos. Será que algum dia conseguiremos projetar um edifício tão inteligente quanto uma árvore?” Confira, a seguir, a entrevista que ele concedeu à CASACOR:

Publicidade

CC: O que fazer para tornar as cidades mais resilientes e adaptáveis às mudanças climáticas?
CR: Abordar as mudanças climáticas é crucial e requer ação abrangente. Arquitetura e design são as maneiras de desenvolver soluções para mitigação e adaptação. A arquitetura sempre foi uma maneira de nos proteger de um ambiente hostil, por isso deve desempenhar um papel fundamental, como mostraremos na próxima Bienal de Arquitetura de Veneza. Sobre enchentes, em particular, nosso escritório de design, CRA-Carlo Ratti Associati, foi recentemente abordado pela cidade de Turim, na Itália, para enfrentar um desafio relacionado ao Rio Pó. Nosso projeto, Floating Above The Floods, utiliza arquitetura cinética para criar espaços comunitários que podem suportar as enchentes recorrentes do rio. Embora isso ofereça uma solução local, também apresenta uma estratégia mais geral para maximizar o uso de vias navegáveis urbanas diante das mudanças climáticas.

CC: E quanto às casas? Como torná-las um abrigo seguro diante das mudanças climáticas?
CR: A resposta concisa, inspirada por uma linha do recente documentário de Sir David Attenborough, A Life on Our Planet, poderia ser: devemos colaborar com a natureza, não confrontá-la. Em essência, devemos considerar as relações ecológicas entre cada casa e seu entorno.

CC: Regeneração é um termo amplamente usado atualmente quando se trata de recuperar áreas degradadas de grandes cidades. Qual é a sua opinião sobre essa abordagem, que considera a biodiversidade vegetal no uso dos espaços urbanos?
CR: Você teria dificuldade em encontrar alguém que discordasse de que a biodiversidade é importante nas cidades. Árvores e outras vegetações têm o potencial de baixar as temperaturas e melhorar a saúde pública. No entanto, é surpreendente que ainda haja pouca consciência sobre como diferentes espécies de árvores afetam o meio ambiente. Algumas são eficazes na mitigação de enchentes, enquanto outras são excelentes na captura de carbono. Um dos principais objetivos de pesquisa nos próximos anos é desenvolver um catálogo abrangente que categorize as espécies de árvores com base em seu impacto na vida urbana e, assim, oriente a plantar as árvores mais adequadas em locais específicos. No Senseable City Lab, iniciamos esse esforço por meio de projetos como o Treepedia, que utiliza IA visual para criar uma métrica – chamada Green View Index – que permite a avaliação e comparação da cobertura de copas de árvores.

Continua após a publicidade
Carlo Ratti fala sobre o futuro das cidades, IA e resiliência urbana
Treepedia avalia e compara a cobertura de copas de árvores na cidade de São Paulo. (Carlo Ratti/Divulgação)

CC: Nas grandes cidades, os espaços verdes são frequentemente limitados a parques e praças mal distribuídos pelo território. Como integrar mais a vegetação na vida diária e no tecido urbano?
CR: Podemos começar abandonando a filosofia bem-intencionada das cidades-jardim dos anos 1900, que buscava alcançar uma melhor mistura de natureza e cidade [o movimento, fundado pelo britânico Ebenezer Howard, pregava a criação de cidades-satélites separadas por cinturões verdes]. Hoje, devemos nos concentrar não em expandir as cidades em direção à natureza, mas em trazer a natureza para o núcleo de nossas áreas urbanas. Essa mudança implica passar de parques isolados para redes interconectadas de caminhos verdes e espaços versáteis, onde a vegetação é tão vital quanto as ruas e outras estruturas.

CC: Você incluiu IA no tema da Bienal de Arquitetura, enfatizando ao mesmo tempo a abordagem humana e coletiva. Quais são suas recomendações para fazer uso ético e equilibrado da IA?
CR: Nossa pesquisa no MIT descobriu que, uma vez treinada, a IA pode ser surpreendentemente precisa em prever coisas como pobreza urbana e taxas de criminalidade, fluxos de mobilidade, valores imobiliários e até mesmo resultados de ações de saúde pública. No entanto, por mais poderosos que possam ser esses algoritmos só veem com clareza os dados com os quais foram treinados. É aqui que surgem preocupações sobre viés. Por exemplo, um algoritmo opaco poderia desvalorizar sistematicamente as casas de comunidades marginalizadas ou incentivar o policiamento excessivo nessas áreas. A IA pode prever muito sobre o mundo, mas apenas os humanos podem imaginar um mundo diferente e melhor.

Continua após a publicidade

CC: Qual é a sua opinião sobre as aplicações atuais de IA generativa na arquitetura e no planejamento urbano?
CR: Esse tipo de IA pode nos ajudar a explorar várias soluções de design com base no conhecimento existente. No entanto, ela enfrenta dificuldades ao tentar gerar novas ideias que não foram experimentadas antes. Os humanos ainda têm a vantagem nesse aspecto – por enquanto.

Compartilhe essa matéria via:
Publicidade
Publicidade