Os grafismos na fachada sinalizam a que se destina o edifício localizado a poucos metros do Parque da Água Branca: cada uma das oito faixas – que podem ser observadas de longe – remete à arte, à tradição e à ancestralidade dos grupos representados pelo Museu das Culturas Indígenas.
Pautada pela coletividade, a instituição, inaugurada em 2022 e vinculada à Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas do Governo do Estado de São Paulo, celebra a diversidade, a força e os saberes das populações nativas brasileiras. Além disso, reivindica seu protagonismo tanto na curadoria quanto na direção. “Há objetos e artefatos indígenas no mundo todo, mas nunca estamos à frente apresentando nossa perspectiva. Este museu – que chamamos de Tauá, casa de transformação –, fruto da luta das mulheres guaranis, é algo nunca visto antes”, afirma Leandro Karaí Mirim, de origem guarani, supervisor de comunicação da organização.

Com a intenção de expor essas narrativas com propriedade, a gestão inova com um modelo inédito, compartilhado, que engloba o Conselho Aty Mirim (com participantes de sete etnias – Guarani M’bya, Guarani Nhandeva, Tupi-Guarani, Kaingang, Krenak, Pankararu e Terena) e a organização social ACAM Portinari, em parceria com o Instituto Maracá. Tal governança reflete as práticas dessas comunidades e garante sua colaboração em todas as etapas do processo museológico, numa maneira de romper com uma visão colonial. “Temos direito à contemporaneidade. A nossa história não pode ser eternizada no passado”, comenta Karaí.
Indígenas no comando
As exposições reafirmam esse propósito. Ao abordar, por exemplo, a relação do humano com a Mata Atlântica – chamada, em guarani, de Nhe’ē ry, que significa “onde os espíritos se banham” –, a curadoria resgata a dimensão sagrada das florestas. Afinal, nas tradições indígenas, cada ser vegetal, animal ou mineral possui sabedoria, e os povos originários são os guardiões dessas áreas. A proteção se estenderia também aos territórios urbanos, de acordo com Karaí. “Pode ser que tudo aqui tenha sido devastado, mas ainda vivemos no bioma da Mata Atlântica, certo?”, questiona.

Educadores chamados mestres dos saberes guiam o público a partir da perspectiva de suas nações, estreitando relações. “Este não é um espaço para apenas ver os artefatos. A proposta é estar com as pessoas indígenas, os artistas, a curadoria…”, explica o arquiteto Hugo Reis Ribas, responsável pela reforma e implantação do edifício e, hoje, supervisor de manutenção e facilities. “E mais: nenhum especialista consegue compreender a espiritualidade de um objeto. Não é questão de religião, mas sim da cultura. Quando apresentamos uma peça aqui, firmamos o compromisso de dialogar com determinada cosmovisão”, reforça Karaí.

A riqueza dessas reflexões permeia as quatro rodas de conversa organizadas dentro da CASACOR quinzenalmente, sempre às quintas-feiras, nos meses de junho e julho. A iniciativa, gestada de maneira participativa durante meses, recebeu o aval dos 37 membros do Conselho Aty Mirim. Mediador dos encontros, Karaí conta que o objetivo é percorrer os territórios de conhecimentos e hábitos milenares, dar visibilidade à causa indígena e incentivar o respeito entre todas as pessoas – questões diretamente ligadas ao tema da mostra neste ano. “Quando frequentei a universidade pública, compreendi que possuímos uma epistemologia própria – e é isso que queremos mostrar. Fico honrado em viver este momento histórico de discutir nossa cultura na CASACOR”, conclui.
A entrada nas rodas será gratuita, mediante inscrição prévia. Mas as vagas são limitadas! Por isso, fique atento ao anúncio das datas e horários no site e no Instagram.
Agenda dos bate-papos
12 de junho, das 18h às 19h30 | Palestra Raízes que semearam sonhos: história e saberes indígenas | Esta roda terá participação de Xipu Puri, Ara Mirim e Leandro Karaí Mirim, respectivamente estagiário de formação, mestre de saberes e supervisor de comunicação do Museu das Culturas Indígenas. |
26 de junho, das 18h às 19h30 | Palestra Cantos de saberes: belas palavras guarani | Esta roda terá participação de Natalício Karaí, Claudio Verá e Leandro Karaí Mirim, respectivamente mestres de saberes e supervisor de comunicação do Museu das Culturas Indígenas. |
10 de julho, das 18h às 19h30 | Palestra Territórios são Saberes: Construções Indígenas entre Tradição e Modernidade | Esta roda terá participação de Tamikuã Txihi, conselheira do Conselho Aty Mirim, Hugo Ribas, arquiteto, e Leandro Karaí Mirim, supervisor de comunicação do Museu das Culturas Indígenas. |
24 de julho, das 18h às 19h30 | Palestra Nhe’ery e a floresta atlântica: o espírito-palavra guarani | Esta roda terá a participação de Carlos Papa, conselheiro do Conselho Aty Mirim e sócio- fundador do Instituto Maracá, Leandro Karaí, supervisor de comunicação do Museu das Culturas Indígenas, e Paulo Alves, arquiteto. |