Quarenta minutos depois do horário combinado, o carro do Dr. Eduardo Lucchese surge na entrada do estacionamento do imponente prédio localizado no quarteirão entre as avenidas Ceará, Maranhão, Paraná e Ernesto da Fontoura, no 4º Distrito de Porto Alegre. “Tivemos uma cirurgia de emergência e precisei deixar tudo pronto para conversarmos com calma”, desculpa-se o atual diretor do Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia. Ainda no estacionamento, ao cruzar com o diretor da CASACOR Rio Grande do Sul, Valdecir Santos, de quem é amigo há anos, Lucchese logo pergunta sobre o andamento da obra e não esconde a admiração com a movimentação das centenas de profissionais que trabalham na revitalização do edifício. Sem uso desde 2002, a construção sediou por 49 anos o hospital pediátrico Santo Antônio, que depois foi incorporado ao Complexo Santa Casa. Agora, o prédio ganha um novo significado ao ser transformado para receber a mostra.
Durante três anos, os quartos, as salas de cirurgia e os corredores do hospital foram praticamente a casa do doutor. Sem tirar os olhos da construção, ele relembra cada detalhe da sua jornada naquele espaço.
“Pisei aqui pela primeira vez ainda criança, mas não como paciente. Era sempre acompanhando a minha avó, que trazia os netos todas as semanas para assistir a missa na capela”, conta o renomado cirurgião cardiovascular. Naquela época, ele nem imaginava que iria retornar anos depois como estudante de medicina e, logo em seguida, com a missão de transformar a instituição em um centro de cirurgias de alta complexibilidade.
“Esse hospital foi fundamental para a Capital e para as cidades do interior, pois foi estrategicamente construído na entrada da Porto Alegre, facilitando todos os acessos. Iniciou como uma central médica e ambulatorial que tratava apenas de infecções, mas logo passou a atender mais demandas tornando-se um centro de pediatria referência no Rio Grande do Sul.”
Durante os anos em que trabalhou no antigo Santo Antônio, Lucchese calcula cerca de 100 cirurgias realizadas. Em contraponto, compara com as 430 executadas somente em 2018 no novo hospital que foi inaugurado em 2002, ocasionando o encerramento das atividades no complexo do 4º Distrito. A medida é relativa à época. Com o passar dos anos, a atualização dos processos, a ampliação e a manutenção da edificação foram fatores decisivos na escolha entre vender o prédio e construir um mais moderno ou revitalizar o antigo. Na conta, acoplar um novo edifício ao hospital já existente na Av. Independência, teve saldo mais positivo.
Ainda impressionado com as mudanças propostas pela mostra, Lucchese relembra o seu primeiro retorno ao local, a convite da diretoria da CASACOR RS e antes do início das obras no começo do ano. “Caminhei sozinho pelos corredores tentando identificar cada espaço e me dei conta de que não conhecia todos os ambientes”.
Com a agenda lotada, o cirurgião confessa que nunca conseguiu ir até o refeitório, por exemplo. A rotina puxada limitava a sua permanência entre o bloco cirúrgico e a UTI. Aliás, espaços que ele rapidamente identificou apesar da deteriorização antes da reforma. “É emocionante reviver tudo em apenas alguns minutos. Aqui eu passei por momentos de muita tensão, de aprendizado e também de realização. Tenho certeza que grande parte da comunidade vai ter a mesma sensação ao entrar no local”, afirma ele sobre o prédio histórico que recebeu milhares de pacientes enquanto ativo e agora está preparado para encantar a milhares de fãs do design e da arquitetura.
Distrito abandonado
Karina Capaverde não contabilizou o número de vezes que passou em frente ao antigo Hospital da Criança Santo Antônio e avaliou a possibilidade de ocupar o espaço com a CASACOR RS. “Foram muitas e durante muitos anos”, enfatiza a diretora da franquia gaúcha da mostra. Apesar de acreditar no potencial do espaço, ela entendia que questões burocráticas poderiam dificultar o acesso ao empreendimento.
O cenário mudou no último ano. Em mais uma das suas passagens pela vizinhança, descobriu que o prédio agora pertence a construtora R. Correa Engenharia e decidiu apostar na revitalização do empreendimento. A empresa, que prevê para os próximos anos a construção de um complexo multiuso, com salas comerciais e apartamentos no local, comprou a ideia.
A proposta é parte de um plano de revitalização de todo o entorno do prédio. Ao longo de décadas, o assunto aparece de forma recorrente em discussões do planejamento da prefeitura, no ambiente acadêmico, na especulação imobiliária, entre moradores ou interessados pelo patrimônio histórico.
O vereador de Porto Alegre, Valter Nagelstein é um dos grandes entusiastas da região. Em 2015, enquanto Secretário de Urbanismo da Capital, teve o projeto 22@ Barcelona, na Espanha, como referência para o plano de desenvolvimento do 4º Distrito de Porto Alegre, que compreende parte dos bairros Floresta, Navegantes, Humaitá, Farrapos e São Geraldo.
O modelo de smart city que atraiu 4,5 mil empresas, como Microsoft, Groupalia, Capgemini, Schneider Electric, Indra, Cisco e diversas startups também iniciou-se numa área semelhante ao 4º Distrito, que perdeu a vocação industrial, mas possui grande potencial urbanístico e de empreendedorismo e inovação.
“Embarcamos com uma comitiva de representantes da prefeitura, Câmara Municipal e de empresários dos setores da tecnologia da informação, saúde, ensino e pesquisa e da construção civil para visitar o circuito de inovação dos espanhóis e confirmamos a vocação da região gaúcha”, conta. O segundo passo foi dar início ao masterplan, junto a uma equipe de especialistas da UFRGS.
Na época, cerca de 700 mil reais foram investidos no estudo de viabilidade, mas a proposta ainda não saiu do papel. A ideia principal é atrair investimentos de empresas para a região.
No último ano, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan, Nagelstein e secretários municipais receberam empresários, representantes de entidades de classe no Paço Municipal para explicar o projeto, mas com foco em outro planejamento, um buzines plan.
“Precisamos retomar a proposta inicial que é criar complexos profissionais do setor médico e da indústria criativa, além de construir prédios que entreguem um mix de residências trazendo vida ao bairro”, idealiza o político.
Segundo ele, iniciativas como a CASACOR RS dentro do antigo Santo Antônio, são de extrema importância, pois giram a economia e reciclam o uso de todo entorno. “Mas não são suficientes para reerguer uma área tão grande”.
Aos poucos, pequenos empreendimentos mudam esse cenário. Um exemplo é o Distrito C, que reúne dezenas de empreendedores e artistas que ajudam a transformar o bairro em um polo de economia criativa. O Galpão Makers, uma comunidade composta por vários empreendedores locais, que compartilham um pavilhão equipado com várias máquinas para trabalhos em madeira e metal, o Distrito Brewpub, que abre as portas semanalmente para cervejeiros interessados na produção colaborativa e a 4Beer, outra referência no segmento. Além disso, o bairro conta com estabelecimentos com foco no entretenimento como o bar Agulha, o Audio Porto e o complexo colaborativo Vila Flores.
“O bairro tem potencial provado. São cerca de 1.500 prédios listados no patrimônio histórico. No entanto, é necessário eliminar a enorme burocracia para que mais iniciativas tenham êxito. O poder público precisa olhar com mais atenção para esse lado da cidade”, complementa Nagelstein.
Renovação
Arquitetura e design se unem à história e à cultura de Porto Alegre
Sentada sozinha em uma caixa de papelão em meio a obra, ao som de serras e marteladas, a arquiteta Aclaene de Mello, revisa os detalhes do ambiente. Ela e a sua parceira de trabalho Gabriela Ordahy assinam a curadoria técnica do evento. Para o projeto geral de iluminação, contam com a expertise de Eduardo Becker e coordenação da diretora Vera Capaverde.
Este é o terceiro ano que as profissionais estão juntas nesse projeto. Além de auxiliar os 78 arquitetos que expõem o seu trabalho no evento, também assinam um dos espaços da mostra.
Perto da inauguração, um caos organizado toma conta do prédio e o nervosismo está a flor da pele. Em cada ambiente, os profissionais trabalham continuamente como uma grande engrenagem que inicia as atividades cedo da manhã e entra madrugada a dentro. De um lado, móveis são desembalados e objetos de decoração são posicionados para fotos. Do outro, alguns ambientes ainda estão com obras pesadas em andamento.
“É como um organismo. São horas e mais horas dedicadas por cada equipe em cada projeto”, ressalta a Aclaene.
Ao todo, mais de 3 mil pessoas trabalham somente no canteiro de obras para levantar um evento como a CASACOR RS. São ao todo 4.100 m² ocupados pela mostra em dois andares, do total de 9.950 m² do prédio todo. Orquestrar tantos profissionais requer concentração total de todos os envolvidos.
Enquanto caminha por parte do circuito por onde os visitantes irão passar, a arquiteta fala sobre os grandes destaques do ano.
O evento tem um fluxo contínuo de passeio. Além dos tradicionais livings, quartos e áreas gourmet, nesta edição conta com uma galeria de arte, uma pizzaria, um restaurante, espaço kids e espaços externos. Tudo com uma grande diversidade temas.
“Mudar o sentido da edificação que era conhecida como um ‘prédio abandonado’ para ‘Antigo Hospital da Criança’ é um dos grandes trunfos da CASACOR RS e uma forma de trazer a edificação a uma nova existência. A cidade que ganha!”, comemora a arquiteta.
CASACOR Rio Grande do Sul 2019
Quando?
De 23 de julho a 8 de setembro
Terça a sexta: das 15h às 20h30
Sábados: das 12h às 20h30
Domingos e feriados: Das 12h às 20h
Onde?
Av. Ceará, 1549 – Porto Alegre/RS
Quando?
De terça a sexta:
Inteira: R$40/ meia-entrada*: R$20
Todos os dias:
Inteira: R$46/ meia-entrada*: R$23
Passaporte:
Duas entradas: R$70
Cinco entrada: R$140
Ilimitado: R$180
*A aquisição da meia-entrada só poderá ser feira na bilheteria (necessária a comprovação através de apresentação de documentos).
Valet: R$25
As vendas dos ingressos estão disponíveis no site: casacorrs.byinti.com