Design

Quando o design ganha alma: um olhar sobre Marcelo Rosenbaum

Fazer, produzir e consumir design é motivo de inquietação para Rosenbaum, conhecido por engajar o design com heranças e tradições do Brasil original

por Giovanna Jarandilha Atualizado em 22 ago 2023, 16h01 - Publicado em
22 jul 2020
16h19

Um dos mais prestigiados e reconhecidos designers brasileiros da atualidade, Marcelo Rosenbaum transformou de forma permanente o pensar design. No seu trabalho à frente do escritório homônimo, Rosenbaum subverteu a qualidade transitória do design e atribuiu-lhe uma carga de eternidade, através de um design que se coloca à serviço das pessoas, de suas culturas, seus valores e suas histórias.

Em 2010, o designer colocou em prática sua crença no potencial transformador do design e desenvolveu uma metodologia voltada aos povos originários do Brasil, que estruturaram nossos saberes mais ancestrais e nos deixaram como herança a cultura comum. Assim nasceu o A Gente Transforma, projeto que atua em comunidades do Brasil profundo e, em 2015, desembarcou também no Peru. Através do design, o movimento pretende construir uma ponte com a memória de quem nós somos, nossa verdadeira essência, ao visitar as comunidades, conhecer o artesanato local e, junto delas, criar peças de design com significado, que carregam a tradição e sabedoria dessas regiões.

O projeto nasceu a partir de uma inquietação, da percepção de um vácuo na representação do ser humano em suas bases mais intrínsecas no universo do design. Dessa forma, o movimento surge da certeza de poder fazer mais, de elevar o design à categoria de instrumento de transformação e liberdade social. Segundo as palavras de Rosenbaum, “A Gente Transforma é um projeto que usa o design para expor a alma brasileira, um mergulho na cultura dos povos que formam o nosso país. É um resgate de histórias do passado para recriar o presente e construir o futuro sob novas bases, livre e sustentável”.

Escola Canuanã

Mantida pela Fundação Bradesco há quase 40 anos, Canuanã é uma escola rural em regime de internato que acolhe crianças e jovens no interior do Tocantins. A ideia do projeto era transformar a percepção da escola de alojamento para casa. Dessa forma, foi remodulada a solução arquitetônica para um módulo habitacional, organizados em vilas femininas e masculinas. Os dormitórios foram agrupados em estruturas de tijolos de barro feitos a partir da terra da própria fazenda, que foram assentados como muxarabis, assim como as casas tradicionais da região. O projeto contou com a colaboração da equipe de arquitetura da Rosenbaum + Aleph Zero, dos alunos de Canuanã e do corpo pedagógico da Fundação Bradesco.

Ivaporunduva

A viagem até Ivaporunduva teve como objetivo descobrir os materiais sensíveis e humanos que formam o quilombo, localizado no Vale do Ribeira, ao sul do estado de São Paulo e à norte de Paraná. Da interação com a comunidade, surgiu a ideia de construir um espaço conectado com a ancestralidade de Ivaporunduva. Assim, foram resgatados elementos tradicionais, como as vassouras de ervas, e foram levados a um ambiente em que toda a comunidade pudesse se reunir e fortalecer ainda mais seus laços. O projeto nasceu da colaboração entre Rosenbaum, alunos do curso Design Essencial, ministrado pelo A Gente Transforma, e senhoras de Ivaporunduva.

Várzea Queimada

Uma imersão criativa teve como destino Várzea Queimada, no Piauí, um município rural a quase 400 quilômetros de Teresina que soma aproximadamente 950 habitantes. Para incentivar o fortalecimento da comunidade e do comércio local, o projeto promoveu a constituição da Associação das Mulheres Artesãs de Várzea Queimada em 2012. Como resultado, se deu a criação da coleção Toca de Palha, um conjunto de cestarias feitas a partir de palha carnaúba, cocriação de Marcelo Rosenbaum, o estúdio português Pedrita e os artesãos da comunidade. Também participou do projeto a super modelo Carol Trentini, que estrelou a campanha e colaborou com a doação do seu cachê para o projeto.

Molongó — o Design a Serviço do Brincar

Em Nova Colômbia, no Amazonas, uma árvore abundante na região dá nome ao projeto Molongó — o Design a Serviço do Brincar. A comunidade ribeirinha, que vive da pesca, da agricultura familiar e do artesanato talhado em madeira, foi objetivo de um projeto de valorização e capacitação a partir do design de brinquedos educativos, que passaram a integrar o Programa Primeira Infância Ribeirinha (PIR), de agentes de saúde que atuam na região. As peças, além de essenciais para o desenvolvimento das crianças, estimula o reconhecimento da identidade local ao fazer referência a elementos culturais locais.

Yawanawá

Yawanawá é o nome do povo que vive às margens do Rio Gregório, em Tarauacá, no Acre, desde antes que se possa contar. Um povo que quase chegou à extinção nos anos 1970 e vem há decadas se autoafirmando junto ao governo local, a história dos Yawanawá é marcada por luta e tradição. Da aproximação material e imaterial entre seis designers e 78 artesãos da comunidade, surgiu uma coleção de nove luminárias produzidas em miçangas de vidro. As peças trazem consigo os saberes que perpassam diferentes gerações de indígenas e propõem uma nova forma de fazer, produzir e consumir design.

Esse Dito Bicho

O mobiliário da coleção Esse Dito Bicho conta a rica história de Terra Preta, uma comunidade às margens do Rio Preto, no Amazonas. Das mãos de 17 artesãos de uma marcenaria em Terra Preta, as peças foram desenhadas e esculpidas em madeira residual, proveniente de manejo sustentável. Em parceria com a Fundação Amazonas Sustentável (FAS), o projeto apresenta uma alternativa para as comunidades ribeirinhas usufruírem da madeira de forma legal e sustentável, como uma alternativa de renda. As peças retratam o entendimento da comunidade sobre homem e natureza, memória e identidade, indivíduo e comunidade. O lucro da venda das peças retorna à Terra Preta, como forma de gerar renda e prosperidade na região.