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De São Paulo a Paris: o que está por trás do trânsito nas grandes cidades?

Segundo urbanista, o trânsito nas grandes cidades é resultado de escolhas históricas que favorecem os carros e negligenciam os meios coletivos

Por Milena Garcia
Atualizado em 13 out 2025, 09h00 - Publicado em 7 out 2025, 12h00

Enfrentar longas horas de trânsito para chegar ao trabalho, à escola e ao lazer é uma rotina comum à maioria dos brasileiros que vivem em grandes cidades. São nove os municípios brasileiros que compõem o ranking dos maiores índices de congestionamento do mundo: São Paulo, Recife, Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília — de acordo com dados do Traffic Index 2023, realizado pela empresa de navegação TomTom com 55 países.

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Trânsito nas grandes cidades
(Freepik/Divulgação)

O excesso de carros nas ruas, sem dúvidas, é o principal motivo para aumento dos níveis de trânsito nos últimos anos. No entanto, metrópoles pelo mundo mostram que a questão é bem mais complexa: fatores como planejamento urbano, políticas de ocupação do solo e investimento em meios de transporte coletivo têm influência direta no congestionamento e, consequentemente, na qualidade de vida dos moradores.

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Carros estacionados

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Para Ângela Seixas Pilotto, Arquiteteta e Urbanista da FAU-USP, uma das raízes do problema está no rodoviarismo. “Nós temos um modelo de produção de espaço que é direcionado aos carros. Essa prática consiste em produzir infraestruturas, sinalizações e serviços que priorizam os automóveis. Mas o fato é que o espaço é limitado, enquanto os carros ocupam uma área significativa para transportarem, no máximo, cinco pessoas”, explica em entrevista à CASACOR.

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Paradoxo das vias ampliadas

Primeiro foram os bondes, depois vieram os carros, as motos, os ônibus e os metrôs. Quanto as ruas começaram a parecer pequenas, foram propostas novas faixas, novos corredores, novos elevados. Mas por que as medidas de ampliação nunca parecem suficientes para “desafogar” o congestionamento em cidades como São Paulo, Recife e Curitiba?

Trânsito nas grandes cidades
(Freepik/Divulgação)

“O que temos é um paradoxo: quando mais você abre espaço para os carros, mais congestionamento a gente tem. Um exemplo extremo disso é Los Angeles, em que vemos autovias imensas e todas sempre congestionadas. Os carros não são apenas um modo de circulação mais cômodo e seguro, eles também são um símbolo de status“, pontua Pilotto.

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Homem dirigindo

A especialista chama atenção para as diversas medidas que, apesar das ruas congestionadas, atuam como incentivos para o uso dos carros. Entre eles, as isenções à indústria automobilística e a facilidade de estacionar gratuitamente em áreas públicas — além da baixa oferta e da precariedade dos serviços de transporte coletivo em muitas regiões. “E se os locais ocupados por carros estacionados fossem transformados em corredores de ônibus, ou até mesmo áreas verdes? Com certeza haveria resistência da população, é uma constante disputa por espaço”.

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Concentração de emprego nas grandes cidades

Apesar disso, não apenas o excesso de carros é o responsável pelo congestionamento nas cidades. Outro motivo apontado por Angela Pilotto é a concentração de serviços em áreas específicas. Ou seja, existe um padrão na localização dos escritórios, comércios, serviços e indústrias. Dessa maneira, os trabalhadores que não podem, ou até mesmo não querem, arcar com os custos de vida desses regiões devem realizar “movimentos pendulares” diariamente em relação às suas casas.

Trabalhador no ônibus
(Freepik/Divulgação)

A exemplo de São Paulo, as maiores concentrações de emprego ocupam o Centro e o Sudoste, incluindo as avenidas Faria Lima e Berrini, além de algumas oportunidades em Barueri, Santana do Parnaíba e ABC Paulista. Enquanto isso, existe uma grande densidade populacional nas periferias da cidade — com baixa cobertura das redes de transporte coletivo. Nesse sentido, a urbanista compara São Paulo à Cidade do México. Atualmente, a cidade brasileira oferece 104 km de metrô para os seus 22 milhões de habitantes, enquanto a capital mexicana conta com 220 km para a mesma grandeza populacional.

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Exemplos internacionais — mas com ressalvas!

Cidade do México é apenas um dos exemplos de como políticas públicas podem contribuir com a redução do trânsito nas grandes cidades. Além dela, Pilotto menciona Paris, Madri e Barcelona como boas referências em relação ao urbanismo. São cidades que apresentam taxas de viagens em meios de transporte coletivo superiores às de carro, entre outras medidas.

Ruas de Paris

Em especial, a capital francesa vem adotando uma série de ações para a redução do uso de carro. O projeto é pautado na ideia de “cidade de 15 minutos“, em que a maioria das necessidades diárias de um morador (como saúde, lazer, comércio e até trabalho) são acessíveis a pé ou de bicicleta em até 15 minutos de casa.

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Ruas de Barcelona
(Freepik/Divulgação)

No entanto, a especialista pondera: “Essas referências têm sido muito utilizadas, porém temos que olhar para elas com cuidado. Nesse sentido, é importante considerarmos as condições de desenvolvimento econômico, político e social dessas cidades europeias, que são diferentes das nossas”.

Afinal, o investimento em transporte público é suficiente para reduzir o trânsito?

Depende. Segundo a professora da FAU-USP, os urbanistas têm visões diferentes sobre o assunto. Enquanto alguns defendem que a ampliação do transporte coletivo, assim como as devidas melhorias nos serviços oferecidos e redução no preço das passagens, levaria às diferentes classes sociais a andarem menos de carro, outros defendem medidas mais radicais, como penalizações pelo uso de automóveis. “O rodízio de veículos em São Paulo atualmente já é uma forma de penalização, mas também é discutido sobre redução das áreas de estacionamento nas ruas, cobranças maiores e pedágios urbanos, o que é praticado em Londres, por exemplo”.

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Metrô
(Freepik/Divulgação)

“Essas são medidas que podem fazer o usuário optar pelo transporte coletivo. Mas, ao mesmo tempo, podem ter um efeito perverso ao onerarem as famílias de baixa renda que precisam chegar à região central das cidades, por exemplo”, finaliza Ângela Pilotto. Vale concluir que questões complexas como a mobilidade nas grandes cidades exigem soluções mais complexas ainda — pensadas pelos urbanistas com inspirações nas referências internacionais, mas adaptadas às características específicas de cada metrópole.

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