Nos anos 1970, as trabalhadoras da Labyris Books, primeira livraria feminina de Nova York, cunharam o slogan “the future is female”. Quase seis décadas depois, elas se provaram certas. E, se a arte tem o poder de apontar caminhos para o horizonte, nada mais legítimo que convidar três mulheres para apresentarem instalações artísticas na CASACOR SP 2025 que nos provocam a refletir sobre esse porvir.

Bruna Mayer, Juliana dos Santos e Regina Parra foram os três nomes escolhidos para dialogar com os temas discutidos nesta edição da mostra, realizada, pela primeira vez, no Parque da Água Branca. Em comum, elas trazem não só a potência feminina como também a crença num amanhã fundamentado pela coexistência e cocriação entre sujeitos interespécie, a confluência de linguagens e saberes e a natureza como campo para construção de comunidades.
Bruna Mayer e o mundo invisível
O próprio solo do parque paulistano colabora em uma das obras apresentadas por Bruna Mayer – cuja pesquisa investiga o universo dos microrganismos vivos para criar trabalhos multidisciplinares que borram as fronteiras entre vida e morte, corpo e natureza. No jardim do paisagista Vitor Kodama, uma instalação da série Agglomerations, especialmente comissionada para a ocasião, tomou forma e cor a partir do cultivo laboratorial do substrato local em contato com a pele da autora.

Caminhando descalça pelo Parque da Água Branca, Bruna coletou microrganismos do solo, do ar e da vegetação, que se desenvolveram em coexistência com partículas provenientes de seu corpo. Os três totens de vidro com formatos inspirados em fragmentos de rochas funcionam como meio de cultura desse habitat vivo. “Eu busco tornar o invisível visível, brincando com a contradição entre fascínio e repulsa, vivo e morto, para mostrar que até o que a gente vê como inanimado tem vida,” provoca.
A cor viva de Juliana dos Santos
O que colore a instalação de Juliana dos Santos é outro ser vivo: a flor comestível de origem indonésia Clitoria ternatea, com a qual entrou em contato há oito anos, durante uma meditação em um templo budista. O tom da pétala corresponde ao azul-violeta relacionado ao chacra frontal. Na prática, Juliana pega esse pigmento emprestado da natureza e sopra seu pó na água para tingir e dar textura ao papel. “Esse encontro está para além de experimentá-la como mero instrumento. O que me interessa é sua convocação dentro da condição de ser vivo, e como isso ressoa em mim de forma sinestésica,” analisa.

O resultado é sempre imprevisível e único, pois as plantas têm sua própria agência. “A clitória se desenvolve em função da oxidação, do ar. Não é permanente. Essa, para mim, é sua radicalidade,” afirma a artista. A novidade para a proposta site-specific apresentada na CASACOR SP é o suporte: lona de algodão cru, que abriga a dialética entre a cor de pigmentos minerais e sintéticos e tom vegetal da pétala. Uma imersão meditativa nesse diálogo cromático é proporcionada aos visitantes, que se veem envoltos por cinco painéis suspensos de 3 x 1,5 m, testemunho da ação do tempo das cores de origens distintas.
Regina Parra diz verdades em neon
A paulistana Regina Parra apresenta uma instalação exclusiva em neon laranja, de mais de 2 m de altura, que carrega o enunciado Aterradora Liberdade. As palavras foram extraídas do texto A paixão Segundo G.H. (Rocco), em que a personagem de Clarice Lispector atravessa uma crise existencial. Inicialmente mais conhecida pelas pinturas focadas na anatomia feminina, a artista multidisciplinar passou a utilizar essas insígnias luminosas a partir da vontade de dar corpo a algumas frases que a perseguiam, e o neon mostrou-se ideal para dar vazão a essas anotações mentais. “Adoro a estética de neons antigos de floricultura, farmácia, sex shops… Ele tem a visualidade de um grito, que chama para o desejo”.

Por outro lado, a escolha de dizeres opera no sentido inverso: “É quase que um sussurro interno, coisas que você falaria consigo mesma,” confessa. O contato com o romance de Clarice aconteceu durante a pandemia, e a dupla de palavras que compõe o neon a acompanhou ao longo dos últimos cinco anos. O convite da CASACOR trouxe a oportunidade para resgatá-las e, por meio delas, posicionar mais uma vez sua subjetividade em um espaço público, conectando as pessoas em torno de sentimentos compartilhados.