O chamado co-living dita os rumos do morar em 2018
Essa forma de habitação combina espaços privados a cômodos compartilhados, com o objetivo explícito de promover contatos sociais e construir comunidades
E se vivêssemos todos juntos? A pergunta, feita por cinco amigos idosos, dá nome ao delicado filme do francês Stéphane Robelin (2012). Na trama ficcional, o grupo se muda para um casarão, onde experimenta alegrias e agruras da velhice. Ao que parece, os sexagenários de Robelin estavam antenadíssimos
Essa forma de habitação combina espaços privados a cômodos compartilhados. Mas, diferente das casas divididas tradicionais, co-livings têm o objetivo explícito de promover contatos sociais e construir comunidades. Hoje em dia, são uma tendência de nicho – tanto que o instituto de Euromonitor aponta o estilo de vida como uma das principais forças moldando o consumo global este ano. Segundo o relatório Top 10 Global Consumer Trends for 2018, marcará presença em cidades densas e altamente tecnológicas.
O mercado imobiliário acredita. Em São Paulo, a incorporadora Vitacon lançou apartamentos entre 17 m² e 30 m² em edifícios com cozinhas e escritórios compartilhados. Nos Estados Unidos, a startup Common arrecadou respeitáveis 40 milhões de dólares para decorar e alugar imóveis onde os moradores dividem cozinha, banheiros e sala de estar. Dignos de Instagram, os apês atraem os millennials, consumidores nascidos entre 1978 e 1973.
“Colaborativa e consciente, essa geração está mais aberta a compartilhar – e isso aparece na moradia e na forma de ver a casa”, conta Julia Curan, da consultoria de tendências WGSN Mindset. “Eles também desejam cada vez mais conexões significativas, priorizando experiência à posse de produto”, acrescenta.
Não à toa, arquitetos criam projetos tendo em mente o viver e trabalhar juntos. Nesta edição da CASACOR São Paulo 2018, por exemplo, Fernando Brandão e Camila Bevilacqua criaram o Templo do Co-Working, um espaço em forma de nave de igreja abrigando unidades de trabalho para até 25 profissionais. Os 140 m² combinam cantinhos introspectivos a áreas onde os profissionais podem ver, ser vistos e, quem sabe criar novos negócios.
Já a marca de automóveis Mini desenvolveu um apartamento em uma comunidade colaborativa para o Salão do Móvel de Milão 2016. A morada de 30 m² integraria uma vila com mais cinco unidades. Suas paredes rotatórias embutem equipamentos domésticos – como uma pequena cozinha ou home-office. Basta girar as divisórias em direção ao pátio comum a fim de dividir um pouco da vida com os vizinhos. Projetada pelo escritório japonês ON design, a instalação ganhou nome de Do Disturb (Sim, Perturbe).
Apesar do seu ar de novidade, a ideia de formar um lar com estranhos não é nova – e nem sempre caminha em harmonia com as inovações do mercado imobiliário. Os primeiros cohousings surgiram nos anos 1960, na Dinamarca e se espalharam pelo norte da Europa. A designer holandesa Irene Pereyra conta que cresceu em uma casa dividida em Amsterdã na década de 1990. Desenhado sob medida para um grupo de oito mulheres e seus filhos, o imóvel tinha jardim e até estúdio fotográfico em pleno centro de Amsterdã.
Em 2014, a moça voltou à vivenda para gravar o documentário One Shared House, disponível online. “Depois do filme, tornei-me uma defensora do morar em comunidade”, conta. “Por que não está todo mundo vivendo assim? Para uma criança, é como crescer em uma vila cercada por pessoas com diferentes interesses e conhecimentos”, lembra. Hoje ela criou raízes em Nova York, mas “se pudesse morar naquela casa com as pessoas que escolhesse, iria amanhã”, acrescenta.
Dividir o lar, afinal de contas, pode ser um caminho para uma vida mais satisfatória. O arquiteto Matthias Hollwich defende a ideia em seu livro-manifesto New aging (O novo envelhecer). “Ser social é importantíssimo para a felicidade. Quando vivemos próximos aos outros, eles nos acompanham nos altos e baixos da vida e se transformam em parte da nossa rede de segurança”, afirma. Mas, para o alemão, será preciso criar novos modelos de moradia. “Precisamos de tempo para explorar e testar antes de ter certeza que criamos espaços que funcionam social e economicamente”.
Quem tem investigado o tema há anos é a arquiteta Lilian Lubochinski. Em sua carreira, já morou em um kibutz israelense e dirigiu projetos criados com coletivos. Hoje, aos 69, orienta grupos que decidem projetar uma casa compartilhada ou, co-lar, como prefere chamá-los.
Em seu trabalho, a arquitetura das relações vem antes do desenho das casas. Os futuros vizinhos participam de oficinas nas quais descobrem valores em comum e aprendem a resolver conflitos e a se comunicar de forma não-violenta. Só depois decidem juntos o projeto da morada, no qual não falta acústica reforçada, design universal e um bom balanço entre espaços particulares e de convívio.
Além de facilitar workshops pelo país, Lilian está planejando o próprio lar com um grupo de amigos, a Tribo Paulistana. “São os vínculos afetivos que atraem as pessoas para um co-lar. A ideia é ser plenamente você mesmo, respeitando o outro”. Se o sonho for possível, por que, afinal de contas, morar sozinho?