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Kongjian Yu e as cidades-esponja: um legado para cidades resilientes

Conheça o legado de Kongjian Yu e o conceito de cidades-esponja: sua trajetória, inovações no urbanismo e relevância para cidades resilientes

Por Redação
24 set 2025, 19h00

Nos últimos dias, o mundo do paisagismo e do urbanismo se despediu de uma das vozes mais influentes do planejamento ecológico: o arquiteto-paisagista chinês Kongjian Yu. Sua partida reforça a importância de revisitar sua obra e refletir sobre como suas ideias continuam a moldar o futuro das cidades. Yu foi pioneiro na integração entre natureza e infraestrutura urbana, e o conceito de cidades-esponja, amplamente associado ao seu nome, tornou-se um marco nas discussões sobre resiliência urbana.

Sanya Mangrove Park, em Hainan, é um dos projetos de Kongjian Yu que exemplifica o conceito de cidade-esponja, restaurando ecossistemas costeiros e protegendo a cidade contra enchentes.
Sanya Mangrove Park, em Hainan, é um dos projetos de Kongjian Yu que exemplifica o conceito de cidade-esponja, restaurando ecossistemas costeiros e protegendo a cidade contra enchentes. (Turenscape/Divulgação)

A ausência de Kongjian Yu deixa uma lacuna, mas seu trabalho permanece como guia e chamado à ação. Suas pesquisas, que desafiam a ideia de que a cidade deve guerrear a água, oferecem uma visão alternativa e urgente para o urbanismo do século XXI.

No Brasil, onde os desafios hídricos e urbanos são intensos, seu legado inspira o desenvolvimento de cidades que absorvem — e não apenas resistem — à água. A seguir, conheça mais sobre a história e a trajetória desse arquiteto que transformou o modo de pensar o urbanismo na China e se tornou referência mundial.

Quem foi Kongjian Yu?

Kongjian Yu - cidades esponjas.
Kongjian Yu (1963-2025). (Kongjian Yu/Turenscape/Pesquisa FAPESP/Divulgação)

Kongjian Yu nasceu em 12 de maio de 1963, em Dongyu Village, no condado de Jinhua, província de Zhejiang, na China. Ele viu de perto a vida no campo e cresceu em meio à natureza, experiência que moldaria sua visão pela relação harmoniosa entre água, paisagem e habitação humana.

Ele cursou Bacharelado e Mestrado em Arquitetura da Paisagem na Beijing Forestry University. Mais tarde, seguiu para os Estados Unidos e concluiu um Doctor of Design (DDes) na Graduate School of Design da Harvard University, com uma tese focada em “padrões de segurança ecológica no planejamento da paisagem”.

Durante sua formação em Harvard, Kongjian Yu foi influenciado por pensadores como Ian McHarg, Carl Steinitz e Richard Forman, referências no urbanismo ecológico e na integração entre natureza e projeto urbano.

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Nanchang Fish Tail Park, em Jiangxi, transforma áreas sujeitas a inundações em um parque urbano vibrante, conciliando lazer, biodiversidade e gestão inteligente da água.
Nanchang Fish Tail Park, em Jiangxi, transforma áreas sujeitas a inundações em um parque urbano vibrante, conciliando lazer, biodiversidade e gestão inteligente da água. (Turenscape/Divulgação)

Em 1998, fundou o escritório Turenscape, com sede em Pequim, especializado em paisagismo, planejamento urbano, restauração ecológica e infraestrutura verde. Sob sua liderança, o escritório cresceu e atua em centenas de cidades, com projetos que combinam ecologia, estética e funcionalidade.

Kongjian Yu era professor da Universidade de Pequim e também publicou dezenas de livros e centenas de artigos acadêmicos, defendendo a ideia de que as cidades não devem “lutar contra” a natureza — especialmente contra a água — mas aprender a conviver com ela. Essa filosofia conceptível o levou a cunhar e impulsionar o conceito de cidades-esponja (sponge cities), que viria a ser adotado como política nacional na China.

Em reconhecimento ao seu trabalho, ele foi agraciado com prêmios importantes, entre eles o Cornelia Hahn Oberlander International Landscape Architecture Prize em 2023.

Cidades resilientes e o papel das cidades-esponja

Liupanshui Minghu Wetland Park, em Guizhou, transforma áreas úmidas em um parque urbano que reduz enchentes, melhora a qualidade da água e oferece lazer à população.
Liupanshui Minghu Wetland Park, em Guizhou, transforma áreas úmidas em um parque urbano que reduz enchentes, melhora a qualidade da água e oferece lazer à população. (Turenscape/Divulgação)

O que é resiliência urbana

Antes de entender as cidades-esponja, é fundamental falar sobre resiliência urbana. Esse conceito se refere à capacidade das cidades de absorver choques, como enchentes, secas ou eventos climáticos extremos, de se adaptar às novas condições e de se recuperar sem comprometer o bem-estar de seus habitantes.

Cidade esponja na China
(Turenscape/CASACOR)

Para Kongjian Yu, resiliência não significa apenas resistir às adversidades, mas conviver com a natureza, aproveitando os ciclos naturais para melhorar a qualidade de vida urbana. Em vez de “lutar contra a água”, sua proposta era integrá-la ao cotidiano das cidades, transformando-a em aliada na criação de ambientes mais seguros, saudáveis e sustentáveis.

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O conceito de cidade-esponja

Puyangjiang River Corridor, em Yiwu, restaura o ecossistema do rio, criando um parque linear que controla enchentes e oferece novos espaços de convivência.
Puyangjiang River Corridor, em Yiwu, restaura o ecossistema do rio, criando um parque linear que controla enchentes e oferece novos espaços de convivência. (Turenscape/Divulgação)

O conceito de “cidade-esponja” propõe que a cidade funcione como uma esponja natural: absorver, reter, filtrar e liberar lentamente a água da chuva, em vez de simplesmente drená-la para fora. Ao invés de “expulsar” a água com redes de esgoto e tubos, a cidade-esponja convive com a água, armazenando-a em vegetação, solos permeáveis, bacias, zonas úmidas, e liberando-a de forma regulada.

Em outras palavras, o paradigma muda de “combater enchentes” para “conviver com a água”. Em entrevista para a Archpaper, Kongjian Yu resume bem essa filosofia:

A filosofia de viver com a água é o total oposto de viver contra a água… uma cidade-esponja retém água no local em vez de drená-la.

Kongjian Yu

As cidades-esponja combinam infraestrutura verde (como jardins de chuva, pavimentos permeáveis, córregos restaurados, parques inundáveis, zonas úmidas construídas) com infraestrutura técnica (canalizações, reservatórios), de modo integrado e centrado no ciclo natural da água. 

O conceito não só ajuda a mitigar inundações, mas oferece benefícios adicionais como recarga de aquíferos, filtragem de poluentes, aumento da biodiversidade urbana, redução de ilhas de calor, melhorias estéticas e espaços de lazer que são funcionalmente integrados ao sistema hídrico. 

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Adesão na China e desafios práticos

Puyangjiang River Corridor, em Yiwu, restaura o ecossistema do rio, criando um parque linear que controla enchentes e oferece novos espaços de convivência.
Puyangjiang River Corridor, em Yiwu, restaura o ecossistema do rio, criando um parque linear que controla enchentes e oferece novos espaços de convivência. (Turenscape/Divulgação)

Desde meados de 2010, a China adotou oficialmente o conceito como parte de sua política nacional voltada ao planejamento urbano e gestão de águas pluviais. 

Em 2015, foram selecionadas 16 cidades-piloto para testar intervenções de cidade-esponja, e nas décadas seguintes o número de cidades envolvidas cresceu para dezenas (ou mais) regiões.

Cidade esponja na China
Sanya Mangrove Park, em Hainan, é um dos projetos de Kongjian Yu que exemplifica o conceito de cidade-esponja, restaurando ecossistemas costeiros e protegendo a cidade contra enchentes. (Turenscape/Divulgação)

No entanto, sua implementação apresenta desafios importantes:

  • Diferenças físico-hídricas regionais: soluções padronizadas adotadas em várias regiões podem não funcionar bem em condições geográficas distintas.

  • Conflito de mentalidade com infraestrutura “cinza”: muitos projetos ainda privilegiam tubulações, drenagem rígida e obras convencionais.

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  • Custos e manutenção: manter infraestruturas verdes exige planejamento constante, limpeza, monitoramento e adaptação. 

  • Monitoramento e avaliação: dados de desempenho são muitas vezes escassos ou inconsistentes, dificultando a mensuração do impacto real. 

Mesmo assim, muitos projetos chineses demonstraram resultados promissores em inundações menores, retenção de chuva e melhoria ambiental. 

Exemplos notáveis e projetos emblemáticos

Parque Qunli / Qunli Rainwater Park

Qunli Rainwater Park, em Harbin, é um dos projetos mais icônicos de Kongjian Yu, transformando uma área alagadiça em parque urbano que armazena milhões de litros de água da chuva.
Qunli Rainwater Park, em Harbin, é um dos projetos mais icônicos de Kongjian Yu, transformando uma área alagadiça em parque urbano que armazena milhões de litros de água da chuva. (Turenscape/Divulgação)

Esse parque, projetado por Turenscape, é frequentemente citado como modelo clássico de cidade-esponja em ação. Ele combina bacias de retenção, vegetação nativa, canais de infiltração e espaços públicos, funcionando como “esponja verde” para capturar e armazenar água da chuva.

Sanya (Hainan)

Sanya Mangrove Park, em Hainan, é um dos projetos de Kongjian Yu que exemplifica o conceito de cidade-esponja, restaurando ecossistemas costeiros e protegendo a cidade contra enchentes.
Sanya Mangrove Park, em Hainan, é um dos projetos de Kongjian Yu que exemplifica o conceito de cidade-esponja, restaurando ecossistemas costeiros e protegendo a cidade contra enchentes. (Turenscape/Divulgação)

Na cidade costeira de Sanya, projetos de restauração de manguezais e parques úmidos foram integrados ao conceito de cidade-esponja para mitigar enchentes e restaurar ecossistemas costeiros.

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Florestal Benjakitti – Bangkok, Tailândia

No coração de Bangkok, o Benjakitti Forest Park recria um oásis verde com lagos, passarelas e áreas alagáveis, unindo lazer e resiliência urbana.
No coração de Bangkok, o Benjakitti Forest Park recria um oásis verde com lagos, passarelas e áreas alagáveis, unindo lazer e resiliência urbana. (Turenscape/Divulgação)

Fora da China, um exemplo que ilustra a aplicação internacional do conceito: o Benjakitti Forest Park, em Bangkok, foi projetado com capacidade de armazenamento de água (cerca de 187 mil metros cúbicos) para enfrentar eventos de chuva extremos — o parque se comporta como uma esponja dentro do tecido urbano.

Sua relevância e o legado deixado

Xi’an Yannan Park City Balcony, em Shaanxi, transforma margens urbanas em um terraço verde com vistas panorâmicas, promovendo encontros e integração com a paisagem.
Xi’an Yannan Park City Balcony, em Shaanxi, transforma margens urbanas em um terraço verde com vistas panorâmicas, promovendo encontros e integração com a paisagem. (Turenscape/Divulgação)

A morte de Kongjian Yu em solo brasileiro, em missão ligada ao seu compromisso com a disseminação do conceito de cidades-esponja, impacta não apenas o cenário chinês, mas o panorama global de planejamento urbano resiliente.

Seu legado pode ser entendido em vários níveis:

  1. Integração entre natureza e técnica — Ele rompeu a dicotomia entre “infraestrutura verde” e “infraestrutura cinza”, propondo uma síntese em que ambos coexistem em harmonia.

  2. Descentralização do controle hidráulico — Em vez de obras centralizadas e rígidas, ele defendeu que cada terreno (bairro, quarteirão, parque) possa captar, reter e liberar água localmente.

  3. Versatilidade (multi-benefício) — As intervenções promovem mais do que controle de enchentes: biodiversidade, lazer, beleza urbana, microclima e qualidade de vida.

  4. Escalabilidade e adaptabilidade — Sua proposta pode ser aplicada em escalas variadas (do lote único à bacia inteira), desde que haja sensibilidade ao local.

  5. Inspiração global — Muitos arquitetos e urbanistas têm olhado para o modelo das cidades-esponja como inspiração para enfrentar os desafios climáticos urbanos no mundo todo.

A relevância de Kongjian Yu está no fato de que ele não propôs apenas um “método técnico”, mas uma filosofia urbana coerente: uma cidade que realmente convive com sua ecologia hídrica. Sua morte, em um país onde seu conceito pode ter aplicação prática real, pode inspirar uma nova geração de cidades mais resilientes no Brasil.

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