Ester Carro conclui A Casa do Wallece, 1º projeto de moradia da CASACOR
Pela primeira vez, uma moradia de favela faz parte dos ambientes da CASACOR São Paulo: conheça A Casa do Wallece, projeto de Ester Carro no Jardim Colombo
Com as entregas de aplicativo que realiza de bicicleta, o motoboy Wallece Souza conseguiu juntar R$ 9 mil e comprar um barraco de 7 m² no Jardim Colombo, favela localizada no complexo de Paraisópolis. Mas, antes da arquiteta Ester Carro dar início ao projeto de reforma, não existia banheiro, cozinha ou área de lavanderia na casa de Wallece: “Faltava o necessário para eu ter uma higiene, ou um lugar para eu fazer a comida. Não tinha onde tomar um banho depois de um longo dia de trabalho”, relata.
Wallece e Ester se conhecem de longa data. Os dois estudaram juntos na escola, no entanto, as dificuldades financeiras impediram o motoboy de finalizar os estudos. Em seguida, ele foi forçado a morar nas ruas pelo padrasto, que não autorizava a presença de Wallece dentro da casa nem para tomar banho ou se alimentar.
Para sobreviver, Wallece passou a fazer entregas de bicicleta para aplicativo de delivery. Doze horas trabalhadas por dia durante toda a semana foram a única saída para o entregador conseguir juntar recursos para comprar uma moradia — ainda que não houvesse uma infraestrutura básica dentro dela.
Wallece comprou a casa na mão de seu vizinho, que utilizava o lugar como depósito. A precariedade na estrutura da residência levou o entregador a procurar por Ester no Fazendinhando, organização de arquitetura social parceira da CASACOR desde 2019. “Eu queria um pouco de dignidade para conseguir terminar os estudos, correr atrás dos meus objetivos e focar no meu objetivo maior, que é ajudar a minha família”, afirma Wallece.
A arquiteta e ativista Ester Carro abraçou a solicitação do colega e fez d’A Casa do Wallece o 70º ambiente da CASACOR São Paulo 2024 e o primeiro projeto da CASACOR de moradia na favela. “Além de mostrar as possibilidades que a arquitetura pode trazer para a favela, a história do Wallece vai inspirar milhares de jovens a seguir lutando pelos seus sonhos”, diz Ester.
A nova Casa do Wallece
Anteriormente, Wallece vivia em um cômodo de 7,30 m²: o banheiro era improvisado, não havia chuveiro e nenhum tipo de estrutura para encanamento. Vazamentos nas paredes tornavam um risco a entrada de baratas e traziam um desconforto térmico em dias frios e chuvosos. Na ponta da casa, Ester ergueu o tão esperado banheiro: “Eu só queria mesmo um lugar para tomar banho e ter alguma privacidade. Agora, é como se eu tivesse ganhado na loteria”, celebra Wallece.
Mas para tornar possível a construção de um banheiro equipado, Ester precisou ampliar a metragem do espaço, que agora totaliza 10,50 m². A primeira solução foi pensar em um mezanino de madeira na parte superior para aumentar o espaço embaixo, explica Ester: “Nós tínhamos um espaço minúsculo que não dava para ser ampliado em um sentido horizontal, mas dava para ser ampliado em sentido vertical, e aí nós ampliamos em 1,20 m² a mais”.
Com alguns metros quadrados a mais, Ester aproveitou cada cantinho do espaço para que a casa conquistasse uma estrutura completa de residência. Abaixo da área de dormir, surgiram armários sob medida e, na sequência, uma bancada de cozinha, geladeira e um tanque.
Os equipamentos da casa foram garantidos por meio de doações. A cuba, o tanque, o assento, as torneiras e a saboneteira foram todas oferecidas pela Deca, a Duratex doou a marcenaria do espaço, a Tintas Coral forneceu as tintas, o Beer Center e o Dominó Vitrocerâmico são do Grupo Elettromec, o piso foi doado pela Portinari, a Sleep Solution proveu os colchões, a Eternit forneceu as telhas do projeto e, por fim, a Rennove participou da obra como construtora parceira. Quem assina as duas obras de arte feitas para o espaço é o artista Júlio Jesus, morador do Jardim Colombo e fundador do Studio Desenrole, galeria de arte da comunidade.
Moradia na favela
Nas palavras de Ester, a ousadia de incluir uma moradia de favela na CASACOR é resultado dos esforços da arquiteta e do trabalho realizado no Fazendinhando em “lutar por dignidade para a população periférica”. Além de recuperar áreas abandonadas, o instituto oferece cursos de formação na construção civil para mulheres da comunidade e reforma moradias do bairro. Desde 2020, a instituição conta com o apoio da CASACOR São Paulo, que fornece insumos para a concretização dessas ações, como materiais e objetos remanescentes das edições anteriores.
“A história do Wallece não é exceção. Essa é a situação de vários entregadores e motoboys paulistanos, jovens que não tiveram acesso à educação e que estão batalhando no dia a dia. Muitos moram em lugares sem qualquer auxílio técnico. A arquitetura que aprendemos na faculdade acaba ficando muito longe dessa realidade, e um layout bem planejado pode melhorar a saúde física e mental na periferia”, afirma Ester.
Visitas guiadas
A Casa do Wallece está inclusa no circuito da CASACOR São Paulo 2024 e está aberta para visitação nas duas próximas sextas-feiras de julho (19/07 e 26/07). As visitas são guiadas, com ponto de partida no Conjunto Nacional às 9h e duração de 1h30. Após o término, o visitante pode retornar ao Conjunto Nacional e continuar o percurso CASACOR normalmente, até às 14h, mediante apresentação do ingresso. Agende sua visita pelo app CASACOR.
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