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Na CASACOR BA, João Gabriel homenageia Tebas, 1º arquiteto negro do Brasil

Com resgates do passado e influências multiculturais, João Gabriel amplia a visão sobre a arquitetura negra e seus representantes

Por Milena Garcia
12 ago 2025, 10h40

Aos 28 anos, João Gabriel é considerado um dos nomes mais influentes da nova geração da arquitetura brasileira. O profissional está presente na CASACOR Bahia 2025 com o “Ateliê de Tebas”, espaço que amplia a visão sobre a arquitetura negra no Brasil ao prestar homenagem ao primeiro arquiteto negro do país: Joaquim Pinto de Oliveira, o Tebas

João Gabriel - Ateliê de Tebas. Projeto da CASACOR Bahia 2025.
João Gabriel – Ateliê de Tebas. Projeto da CASACOR Bahia 2025. (Bia Nauiack/CASACOR)

O ambiente funciona como um ateliê de criação, onde a mistura de peças de antiquário com objetos e mobiliário contemporâneo valoriza o tempo como mestre. Em vez de esconder marcas, ladrilhos, madeira e paredes originais da Casa Nossa Senhora das Mercês (local do evento em 2025) foram preservados. 

João Gabriel - Ateliê de Tebas. Projeto da CASACOR Bahia 2025.
João Gabriel – Ateliê de Tebas. Projeto da CASACOR Bahia 2025. (Bia Nauiack/CASACOR)

“Primeiro a gente definiu a paleta de cores, depois os materiais. Eu queria muito trabalhar com palha, madeira escura e listras. São materiais que compõem o que eu buscava para o ambiente, ao mesmo tempo que traduzem o meu trabalho – que é mais afetivo, casa com cara de casa. Nesse sentido, o sentimento que guiou todas as escolhas foi a nostalgia. Eu precisava que as pessoas entrassem lá e se sentissem no passado”, explica em entrevista à CASACOR. 

Afinal, quem foi Tebas?

Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como Tebas, foi um talentoso arquiteto, especialista em fachadas de pedra, durante o século XVIII. Escravizado até os 58 anos, deixou sua marca em São Paulo após conseguir alforria – tendo atuado em obras emblemáticas, como a restauração do Mosteiro de São Bento (1766) e da antiga Catedral da Sé (1778). Apesar dos projetos marcantes, Tebas foi reconhecido pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (Sasp) apenas duzentos anos mais tarde, em 2018. 

Quadro
Quadro “Cabeça de Negro”, de Candido Portinari (1934), muitas vezes associada à imagem de Tebas (Divulgação/Divulgação)

Para João Gabriel, a ideia de homenagear o primeiro arquiteto negro do país veio bem antes de sua segunda participação na CASACOR Bahia: “Durante a faculdade de arquitetura, nós não temos referências negras. Então, eu busquei as minhas próprias. O fato de Tebas ser um homem negro, que foi escravizado até os 58 anos e, mesmo dentro desse contexto, conseguiu se destacar com o seu trabalho, me faz entender que a gente está progredindo há um bom tempo. O que faltou foi  a busca, o reconhecimento dessa memória”, completa. 

Referências multiculturais

Não apenas na CASACOR Bahia 2025, mas também em seus demais projetos, João Gabriel preza por reunir referências de diversas culturas. Para isso, o arquiteto questiona o eurocentrismo, abrindo espaço para influência dos estilos latinos, africanos, asiáticos, entre outros. “Quando eu comecei a entender o meu estilo de arquitetura, busquei equilibrar meu lado ativista político com o lado prático, que atende aos clientes”. 

Cozinha ganha vida com paredes verdes e plantas. Projeto de João Gabriel. Na foto, marcenaria verde.
Projeto de João Gabriel. (Leo Silva/Divulgação)

João Gabriel detalha: “Encontrei referências de cores nas culturas latinas, especialmente os color blockings e os portais de cores do México. Da África, eu trouxe alguns padrões geométricos, uso de texturas e formas orgânicas. Existe um termo chamado afrofuturismo, que imagina a tecnologia de forma orgânica – o que eu tenho tentado trazer de alguma forma. Me inspiro também na horizontalidade das culturas orientais, com camas e assentos mais baixos nos interiores”. 

João Gabriel - O Canto de Gil. Projeto da CASACOR Bahia 2024.
João Gabriel – O Canto de Gil. Projeto da CASACOR Bahia 2024. (Gabriela Daltro/CASACOR)

Representatividade e inclusão

Além da estética, o propósito do trabalho de João Gabriel se traduz em um objetivo maior: abrir espaço para outros profissionais negros no mercado da arquitetura. Isso se manifesta na homenagem a Tebas, na instalação de um mural com fotos de diversos colegas de trabalho negros na CASACOR Bahia 2025 e, principalmente, na criação de sua própria mentoria para a qualificação de arquitetos negros – a Sala Preta.

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João Gabriel em apresentação da mentoria Sala Preta.
João Gabriel em apresentação da mentoria Sala Preta. (Instagram/@asalapreta/Divulgação)

Trata-se de uma rede potente com 25 recém-formados de todo o país, prestes a se tornar 50 nos próximos meses. João Gabriel propõe repassar seus principais conhecimentos, desde estruturação de projetos, captação de clientes, precificação e branding – até acompanhamento psicológico. 

Grupo de alunos da mentoria Sala Preta na CASACOR Bahia 2024
Grupo de alunos da mentoria Sala Preta na CASACOR Bahia 2024 (Instagram/@asalapreta/Divulgação)

“Eu sou filho de feirantes e, por isso, muitas coisas foram negadas a mim ao longo da vida — principalmente conhecimento. Então, o que eu busco com o meu trabalho é ser o ancestral que eu não tive e garantir que outras pessoas pudessem ter aquilo que eu não tive. Estar na CASACOR pelo segundo ano é o resultado disso. É a prova de que eu talvez tenha feito acontecer”, finaliza. 

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