É capa: a instalação artística “Ocupação Terreiro”, que leva a assinatura do arquiteto e designer à frente do Estúdio Tarimba, Alexandre Salles, foi escolhida para ilustrar a capa da revista Veja SP na edição desta semana na qual o tema é a CASACOR São Paulo. Com a chamada “Espaços inspiradores”, a publicação resume a escolha de forma simples: a instalação sintetiza a 37ª edição da mostra, que tem como pilares a ancestralidade, tecnologia e sustentabilidade.
A CASACOR São Paulo está logo aí: com estreia marcada para a próxima terça-feira, 21 de maio, a mostra irá recepcionar um preview apenas para imprensa e convidados neste sábado (18). Abrigada no Conjunto Nacional, em pleno coração da Avenida Paulista, a CASACOR SP este ano tem como tema “De presente, o agora” – cujo manifesto, elaborado pela presidente do conselho curador de CASACOR, Livia Pedreira, provoca a pergunta: “que ancestral queremos ser?”.
Origem da ideia
Na encruzilhada da Avenida Paulista com a Rua Augusta, ao visitar a área do Conjunto Nacional destinada à sua instalação artística, Alexandre Salles sente o corpo inteiro vibrar. Mais tarde, naquela noite, o arquiteto e mestre em Semiótica Urbana pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) sonha com uma preta velha mexendo em terra e plantas. Assim que acorda, compreende o foco de seu projeto na CASACOR São Paulo 2024: o terreiro e suas simbologias.
Meses antes, Salles havia conversado com Livia Pedreira, presidente do conselho curador da CASACOR, sobre o legado da mostra. O coordenador dos cursos de design de interiores e mobiliário no Istituto Europeo di Design SãoPaulo (IED-SP) colabora com o evento desde 2017, sempre refletindo sobre sua dimensão educacional. “Como é pensar hoje um ambiente comercial num tempo efêmero? Há muitas camadas”, pondera ele, que defende a importância de conectar o viés educativo à ancestralidade.
O tema desta edição perpassa a vida e a pesquisa do criativo, que se diz um andarilho. “Para mim, andarilhar é criar pontos de reflexão, inflexão, comunicação, outras formas de entender nossa oralidade e seus vestígios”, fala.
Por isso, Salles criou um microcosmo do terreiro, entendido como chão, quintal, terra fértil e axé ancestral, onde é possível caminhar e deixar-se afetar pelos objetos de arte e design reunidos em sua curadoria preta, imaginada com o colega Lucas de Oliveira Freitas. O resultado? Uma celebração da intelectualidade negra contemporânea.
A dupla propõe um percurso dividido em blocos que traçam uma releitura de algum aspecto desse local cultuado: Origem – terra fértil, sagrada e batida; Lugar-Tempo – quintal da alma, de convívio, espiritualidade, celebração da vida e da memória; Re-Existência – laços profundos, cultura viva, sabedoria ancestral, resistência e resiliência, reconstrução de identidade.
As personalidades homenageadas vão de Clementina de Jesus (1901-1987) a Cartola (1908-1980), de Heitor dos Prazeres (1898-1966) a Ayrson Heráclito, passando pelo próprio avô de Salles, cuja fotopintura dá as boas-vindas na entrada. Partindo da terra e do barro, a área de 156 m2 privilegia materiais naturais (revestimentos terrosos, cerâmica, vegetação) e técnicas ancestrais (taipa, bambu, madeira, minérios, tecidos), e foi concebida desde o início como campo de encontro e trocas.
A “Ocupação Terreiro”
Uma estrutura circular, coberta de bandeirolas reminiscentes de terreiros de umbanda e candomblé, convida os visitantes a se demorarem e participarem de conversas, ativações com artistas e momentos de conexão, como pisar no chão de terra batida, jogar capoeira e fazer batucada – afinal, outra grande referência é o quintal de Tia Ciata, personagem influente para o surgimento do samba carioca.
Há também designers, como o mineiro Daniel Jorge, autor da cadeira Tourinho, a panamenha-brasileira Michele Wharton, cuja marca valoriza a tradição das mulheres indígenas da região Guna Yala, e o mato-grossense Sérgio Matos, idealizador da poltrona
Bodocongó. Entre as obras, aparecem desde objetos de candomblé a peças contemporâneas assinadas por artistas como Moisés Patrício, André Ricardo, Diambe e Soberana Ziza, que desenvolveu, especialmente para a ocasião, o trabalho Matriarca, reforçando a importância das mulheres e da energia feminina para um futuro ancestral. No final, uma sala azul abriga criações de Emerson Rocha e Luiz Moreira, além de uma experiência imersiva afrofuturista. Orixás em tamanho real concebidos por Salles com inteligência artificial interagem com o público: “Essas entidades existem, e elas são você, pois atrás dessa parede tem um espelho”.
O Sankofa, pássaro mítico que olha para trás (passado) enquanto voa (presente), com um ovo no bico (futuro), traduz a “pororoca de narrativas” incumbida de erguer pontes multitemporais. Os vestígios reverenciados por elas reverberam hoje em direção a um amanhã ético, comunitário e espiritualizado. Um amanhã ancestral.